Gâmbia, um país na costa oeste da África, encravado ao longo de um rio no meio do Senegal. Um pequeno vilarejo em uma área de conservação. Tinta, spray. Uma ideia. Oito artistas de rua de diversos lugares do planeta. Qual a relação entre todas essas coisas?
É o Wide Open Walls.



Remed (Espanha)


Quando Lawrence Matthews foi para a Gâmbia, há alguns anos, e comprou alguns poucos hectares de terra, sua intenção de criar uma área de surf jamais levaria a crer que o jovem rapaz acabaria se envolvendo em um inovador projeto internacional de artes. Mas assim foi. Depois de passar alguns meses em seu país natal, o Reino Unido, decepcionado com a falta de ondas decentes na Gâmbia, Lawrence, ao retornar, teve a infeliz surpresa de ver que mais de 120 palmeiras nativas haviam sido cortadas na propriedade vizinha à sua. Indignado, ele comunicou às autoridades, as quais, com o sarcasmo que têm os órgãos públicos em Estados desestruturados, recomendaram que se ele se preocupava com a preservação daquelas terras, devia comprá-las e cercá-las.

Pois assim ele fez. Os 4ha se transformaram em 1750, e ali fundou-se a Reserva Makasutu, onde ele instalou uma pousada em integração com a natureza e com as pessoas e costumes nativos, incentivando uma ideia de turismo bem distinta do 'safári humano' que acabam sendo as viagens de luxo à África. A Reserva também articulou-se com os 14 vilarejos próximos, criando o chamado Projeto de Conservação Ballabu, integrando as comunidades locais em projetos de turismo sustentável, em termos ecológicos e humanos.




Selah (África do Sul)


Ok, mas onde está a arte, afinal, hein?

Pois bem. Eis que nosso amigo Lawrence tinha uma secreta veia de inclinação artística guardada beeeem no fuuuundo de seu coraçãozinho. Eis que, coisa vai, coisa vem, ele entra em contato com o trabalho do nosso outro amigo, Banksy, e decide que é mais que hora de pôr pra fora essa sua paixão platônica pela arte. Então ele, junto com Njogu Touray, um artista local, decidiu criar um coletivo de arte (de rua), conhecido como Bushdwellers. Eles, por propósito, iam nos vilarejos do interior da Gâmbia e, com a devida autorização dos donos das paredes, usavam estas como painel da sua arte, como uma forma de enfeitar um pouco aquelas cidadezinhas.



ROA (Bélgica)

Mas a coisa não se acaba por aí! Uma bela noite, embalado por algumas doses de idealismo e outras de cerveja, nosso querido Lawrence manda um email para Eelus, um artista de rua que ele admirava muito, propondo iniciar um projeto para trazer artistas às cidadezinhas da Gâmbia para encher de arte suas paredes.

Lawrence não esperava resposta. Mas não só Eelus respondeu, como se prontificou a angariar outros 7 artistas para participarem do projeto, e assim surgiu o primeiro Wide Open Walls, em 2010.



Vídeo do WOW 2010, na cidade de Kubuneh


O projeto, agora em sua segunda edição, já mais estruturado e ganhando o apoio de diversos colaboradores na África e no mundo (como o grupo Write on Africa, uma organização artística comunitária da África do Sul), tem uma missão que se insere dentro da lógica da Reserva Makasutu. Eles visam trazer a arte para os vilarejos como forma de valorizá-los, agregando valor turístico ao local (o que, evidentemente, traz dinheiro, também), mas em uma lógica integrada, pois para ver a arte é preciso estar na cidade, viver a cidade, estar em contato com as pessoas e com suas casas - afinal, é nelas que está a arte, no ambiente que elas vivenciam todo o dia.



TIKA (Suíça)


Além disso, a comunidade se envolve no fazer de toda essa arte: nas duas semanas que dura o projeto, os moradores locais, jovens e crianças são tomados como assistentes dos artistas, e estes oferecem oficinas, workshops e aulas para ensinar as técnicas para as crianças, e para proporcionar a elas uma nova forma de se expressarem.


Bushdwellers (Gâmbia)


Há quem questione disso tudo se esses artistas realmente deveriam alterar o aspecto natural dos vilarejos, se realmente deveriam introduzir uma forma de arte 'externa' ali, se realmente é bom fortalecer esses vilarejos como destinos turísticos.
Ora, respondem os próprios artistas, que pretensão. Os vilarejos há muito não são 'naturais' (aliás, o que é e o que não é 'natural' a um lugar?), a globalização e os tortuosos caminhos das mercadorias fazem chegar silenciosa e cotidianamente os representantes dessa 'civilização' que tanto se idealiza evitar - marcas, tecnologias, imagens, ideias. Os turistas brancos já chegam lá, jogando doces para as crianças do alto do ar-condicionado de suas vans.


Best Ever (Reino Unido)


A arte coloca-se nas paredes, então, como uma forma de dar consciência aos processos, de proporcionar um diálogo aberto entre o local e o inserido, de fazer com que as novas formas de cultura que chegam sejam não simplesmente adotadas, mas observadas, tocadas, comidas, digeridas, processadas e transformadas em algo próprio, algo que represente o local onde ela está.

Arte não é um objeto pronto, não é uma forma cultural consolidada. Arte é linguagem. Trazer e ensinar arte de rua a uma população remota consegue tirar os dois de uma posição de exclusão: tanto a arte como as pessoas. A arte de rua, desvalorizada nas grandes cidades onde conquista à força seus espaços, é acolhida de braços abertos nos vilarejos onde não se valora levar a arte. Aqui ela não transgride, ela agrega possibilidades de inserção. Através da apropriação de uma linguagem globalizada torna-se possível, a partir de um vilarejo remoto no interior de um país da periferia do mundo, ler e escrever o mundo de uma nova forma.

É como na pintura de Know Hope, com um balão em branco onde as pessoas escrevem com giz suas ideias e pensamentos: a arte apropriada é uma maneira de contar o mundo e contar-se para o mundo.



Know Hope (Israel)


Inspiração: Follow the Colours

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